Depoimento de Glória Cunha

Depoimento da Glória Pereira da Cunha*

A nação ajoelhada ouve a loa de mestre Shacon a Xangô

Nas cinzas do carnaval de 2013, muita coisa para refletir.

Quem acompanhou a apresentação da nação do maracatu Porto Rico no desfile de 2013 viu uma cena inédita: mestre Shacon denunciando no recuo, frente aos jurados, as péssimas condições que todas as nações vem enfrentando para realizar essa data, uma das mais importantes do carnaval do Recife. Logo mais avisou que Porto Rico não estava pontuando, mesmo sabendo, pelas condições que estava a nação, que certamente seria campeão ou vice!

Quando é tempo de tormenta
Avisou meu pai Xangô
Segura o leme desse barco
Muita atenção navegador 

Foi exatamente isso que mestre Shacon, navegador experiente, fez no recuo do desfile de 2013!

Segurou o leme do barco enfrentando a tormenta que se abatia sobre o desfile. Não uma tormenta feita de água e vento, como muitas que a nação já enfrentou onde sempre continuou navegando com segurança, mas outra tormenta.

A tormenta de 2013 foi feita de problemas, alguns bem antigos e que tem crescido bastante e se acumulando ao longo de muitos anos, criando constrangimentos para quem se apresenta e para o público que não pode apreciar o trabalho realizado pelas nações durante todo o ano.

A SEGURANÇA é um desses graves problemas.Em 2011 Porto Rico desfilou logo após um tiroteio, com vítimas, próximo à concentração.

Esse ano também aconteceu problemas graves no setor da segurança dos batuqueiros. Na saída da passarela não existe um espaço para a dispersão dos desfilantes, existe transito a meio metro do final da passarela e sem nenhuma policiamento para ao menos segurar os carros e impedir o atropelamentos, como o que aconteceu com uma batuqueira de Porto Rico que teve seu pé machucado por um carro.

 Horas antes um dos maiores blocos de samba, o Saberé, passou na área da concentração quando a nação do maracatu Encanto do Pina se organizava. Bêbados tentavam entrar onde as fantasias estavam sendo vestidas, muitas fantasias foram pisadas, muitos adereços foram quebrados. O bloco fazia uma segurança com voluntários, assim como membros do Encanto do Pina também tentaram garantir alguma segurança, mas nenhum policiamento estava no local.

Abaixo parte do depoimento de mestra Joana do Encanto do Pina, onde conta parte desse vivido:

[… ] Aquilo que todos chamam de passarela apoteose é uma vergonha.

Os carros disputam lugar com os desfilantes.

Bloco de bêbados invadem nossa formação destroem roupas e adereços que construímos com dificuldade.

Iluminação zero, falta de segurança total.

Não sabemos qual a maior preocupação se é organizar a agremiação pra desfilar ou nos livrar dos drogados que ficam a espera de uma oportunidade pra nos furtar. […]

 

Além da falta de segurança que fez com que uma batuqueira fosse assaltada e um instrumento desaparecesse da concentração, os problemas da nação Porto Rico, no momento do desfile, se ampliaram.

Sem amplificação durante o desfile os batuqueiros e mestres redobravam sua atenção para poder oferecer ao público uma migalha do que foi trabalhando.

Vejam os vídeos abaixo!  Podemos ver a nação e ouvir o batuque, mas praticamente não se ouve a loa e nada da voz do mestre:

http://youtu.be/CAWB2ng9bL4

http://www.youtube.com/watch?v=Bb85pqVMOtQ

Um primeiro microfone é entregue ao mestre e nada: quebrado!

Um segundo microfone é entregue ao mestre e nada: também quebrado!

Logo depois, chegamos ao recuo, enfim a amplificação, pensamos!

Não! nada funcionava! Dois microfones entregue ao mestre não funcionavam

O terceiro, em frente à comissão que foi entregue para mestre Shacon não funcionava também e não tinha retorno para o coro e batuqueiros.

Quando as ondas se calarem
Resta o grito do tambor

Mestre Shacon então começou a falar diretamente com os jurados: como vocês podem julgar alguma coisa se nem ouvir o trabalho feito durante todo o ano conseguem ouvir…

Logo após o locutor falou: agora vamos cantar mestre Shacon!

Atitude do guerreiro
Pela herança de nagô

E o mestre-guerreiro retrucou: então o seu microfone funciona??

E tirando o microfone das mãos do locutor começou a falar para todos, denunciando os problemas que enfrentávamos.

Com a nação ajoelhada solou uma loa para Xangô e terminou essa denuncia dizendo: Gente a nação Porto Rico não está pontuando hoje!

Apresentação da Nação Porto Rico

http://www.facebook.com/photo.php?v=456153977782995&set=vb.100001651898412&type=3

 

O trabalho primoroso são nações de maracatu não são sequer divulgados em sua totalidade pela TV, nem pelas TVs públicas!! Por que esse descaso se o maracatu de baque virado é a manifestação pernambucana mais conhecida no exterior, com grupos ao redor do mundo?**

É importante ressaltar novamente que tudo isso não é um problema desse ano apenas, mas uma forma de agir com descaso com as agremiações que desfilam, com a cultura popular do Recife que tem se perpetuado e piorado ao longo dos últimos anos. A nova secretária é a herdeira dessa situação e espero que possa dar um fim nesse processo.

A atitude de mestre Shacon é um grito em nome de todos que resistem desde muitos séculos, que lutam ao som das alfaias e dos gonguês.

Agora, nas cinzas de 2013, me pergunto: esse grito será ouvido?

 

* Glória Pereira da Cunha é mestre em Educação pela Unicamp, trabalhou como percussionista na Orquestra Sinfônica de Campinas por 22 anos, é professora de música e batuqueira da nação Porto Rico.

 

**Grupos de Maracatu fora do Brasil

Fonte: http://maracatu.org.br/grupos-no-brasil-e-no-mundo/grupos-pelo-mundo/

 

Baque Forte Berlin – Berlin – Alemanha

Maracatu Colônia – Colônia – Alemanha

Nation Stern der Elbe – Hamburgo – Alemanha

Sambamania – Augsburg – Alemanha

Maracatu Malicioso – Saint Macaire – França

Tambores Nagô – Paris – França

Maracatu Encontro – Mühldorf Inn – Alemanha

Maracatu Cruzeiro do Sul – Brighton – Inglaterra

Maracatu Estrela do Norte – Londres – Inglaterra

Maracatudo Mafua – Londres – Inglaterra

Juba do Leão – Manchester – Inglaterra

Maracatu Nação Celta – Dublin – Irlanda

Maracatu Atomico – Amsterdam –  Holanda

Maracatu NY – New York – E.U.A

Maracatu Macaíba – Nantes – França

Maracatu Tamaracá – Paris – França

Maracatu Estrela do Boi – Milão – Itália

Onda Maracatu – Montpellier – França

Maracatu Bafo da Onça – Ipswich – Inglaterra

Maracatu Mandacaru – Barcelona – Espanha

Toca Brasa – Orléans – França

Pernambucomgo – Paris – França

Baque de Bamba – Ontário – Canadá

Bloco Zum – Zurique – Suiça

Maracatu Ilha Brilho – Irlanda

Maracatu Nação Oju Obá – Paris – França

Loco Lunes – Köln – Alemanha

Maracatu Quebra Baque Áustria – Viena – Áustria

Sobre gloria

Desde 2007 me descobri batuqueira; comecei a aprender maracatu no Ilus de Assuada, um dos filhotes da Casa de Cultura Tainã e grupo Urucungus. Em 2008 fui uma das fundadoras do Maracatuca. Minha formação musical veio da Fundação das Artes e depois me especializei em percussão de orquestra, erudita e trabalhei mais de duas décadas na Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas. Sempre dei aula, gosto de ser professora. Fiz mestrado na Unicamp, dentro do Grupo de Educação e Pesquisa em Educação Continuada - GEPEC - na Faculdade de Educação com a Corinta M. G. Geraldi como orientadora nessa caminhada. Agora estudo na Nação do Maracatu Porto Rico com mestre Shacon e vários batuqueiros e a Nação do Encanto do Pinta com vários batuqueiros, mas principalmente caixa com Mariana Bianchi.
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Uma resposta para Depoimento de Glória Cunha

  1. jefferson ferreira dos santos disse:

    naçao porto rico é a melhor de todas as naçao

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