Manifestação cultural que nasceu nas senzalas de Pernambuco mistura candomblé e catolicismo.
Quando Mae Elda Viana foi convidada para ser rainha da Nação Porto Rico, ela não sabia o que isso significava. Aceitou e nem sabe por quê. “É o espírito que empurra a gente”, diz. Nascida em uma família evangélica, Mae Elda foi ter seus primeiros contatos com a cultura afrodescendente quando morou no Rio de Janeiro e passou a frequentar casas de umbanda. Anos mais tarde, mudou-se para Recife e foi parar bem ao lado da casa de Maria de Sônia. Vez ou outra, ia à casa da vizinha para observar os rituais de candomblé que aconteciam por lá. Tinha medo. Até que aconteceu o convite.
Isso foi há quase três décadas. Hoje, Mae Elda sabe que ser rainha de uma nação significa ser uma das figuras centrais de um grupo tradicional com fortes ligações com religiões africanas, em especial o candomblé. Essas nações são, em geral, seculares e estão em Pernambuco, onde surgiu o Maracatu Nação. O nome remete diretamente a esses grupos tradicionais, que levam adiante os costumes do que pode ser também chamado de Maracatu de baque virado. É diferente do Maracatu Rural,cuja figura do caboclo de lança com sua vasta cabeleira de cores vivas tornou-se quase um símbolo de Pernambuco.
Existem muitas versões para o surgimento do Maracatu Nação, mas a hipótese mais aceita é que ele deriva das coroações de Rei Congo, prática na qual escravos eram escolhidos para ser intermediários entre os poder colonial e os homens e mulheres vindos da África. Entre os séculos 18 e 19, essa prática foi, aos poucos, sendo incorporada pelos escravos e se transformando no que conhecemos hoje como maracatu. Sua tradicional manifestação se dá no cortejo.
Os trajes de majestade dão o recado: Os negros podem ter sua nação
O porta-estandarte e a corte real – formada, entre outros personagens, por príncipes e princesas, duques e duquesas, damas e súditos – abrem espaço para o rei e a rainha, que vêm logo atrás. Eles são figuras centrais do maracatu. Com coroas douradas, mantos de veludo bordados e enfeitados, espadas e cetros reais, caminham no ritmo inconfundível dos batuques. A rainha negra, com as roupas da majestade europeia, é uma forma de os negros dizerem que podem ser livres e ter sua própria nação.
Outro personagem importante é a dama do paço. Pode ser uma ou duas em um cortejo e sua responsabilidade é carregar a calunga. Trata-se de uma boneca ricamente vestida que simboliza os ancestrais daquela comunidade. É cultuada como Egum, nome que os adeptos do candomblé dão ao espírito depois da sua morte. A batida do Maracatu Nação é uma homenagem a Iansã, orixá que circula no mundo dos mortos, e, como suas apresentações acontecem fora dos terreiros, os grupos também precisam da simpatia de Exu, orixá das ruas, estradas e encruzilhadas. Sua ligação com terreiros de candomblé está também explícita nas cores das roupas e na pintura das alfaias (tambores), que são as mesmas do orixá a quem é dedicado o terreiro de origem da nação.
À porta das igrejas, a homenagem é para Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. E a mistura religiosa não para por aí. As rainhas e reis das nações de maracatu são coroados por padres em igrejas católicas. “Como por quê? Porque é lá que acontecem os batismos. A coroação é como um batismo”, é a explicação óbvia de Mae Elda a unica rainha coroada dentro da igreja em 08/01/1979 e tambem seu rei Riva de oxum no dia 02/04/2009 ambos unicos coroados dentro da igreja ainda vivos sobre a razão que leva essa cultura com fortes raízes africanas a buscar um dos seus grandes pilares, a coroação da rainha e rei, na Igreja Católica. E isso não retira a força das tradições do candomblé. Em algumas datas especiais, por exemplo, as nações fazem oferendas em forma de sacrifícios de animais aos orixás.
O mais solene momento dos maracatus, porém, é a Noite dos Tambores Silenciosos, um encontro dos diversos baques virados de Pernambuco com o objetivo de reverenciar os ancestrais. O ritual é marcado pelas batidas da percussão e pelas toadas (cantos típicos), muitas delas cantadas em uma língua africana conhecida como iorubá. Realizado na segunda-feira de carnaval, o evento é atualmente sediado pelo pátio da Igreja de Nossa Senhora do Terço, mais conhecido como Pátio do Terço, em Recife (PE). Séculos atrás, nesse local os escravos eram vendidos e, muitas vezes, castigados.
Maracatu Naçao Porto Rico